Fernando Pessoa e Søren Kierkegaard: O Diamante das Múltiplas Facetas da Existência

Luiz Aryeh, Leah e Tziona

Imagine um diamante. Ele não tem uma única face, mas várias, cada uma refletindo a luz de um ângulo distinto. Dependendo do ponto de vista, ele brilha de maneira diferente, revelando cores, nuances e profundidades únicas.

Agora, aplique essa imagem à identidade humana. Fernando Pessoa e Søren Kierkegaard entenderam isso antes de todos. Eles não aceitaram a ideia de um eu monolítico, fixo e previsível. Em vez disso, usaram a literatura e a filosofia para lapidar suas múltiplas facetas, transformando-se em verdadeiros diamantes da complexidade humana.

Cada heterônimo de Pessoa e cada pseudônimo de Kierkegaard não eram meros disfarces, mas faces desse diamante, refletindo perspectivas distintas sobre a vida, o pensamento e a verdade. Vamos mergulhar nesse brilho multifacetado.

A Fractualização do Eu: Quando Um Só Reflexo Não Basta

Criar heterônimos não é só uma brincadeira literária. É um ato radical de expansão da consciência. É aceitar que dentro de cada um de nós existe um universo de possibilidades, que não somos um, mas muitos ao mesmo tempo.

Pessoa e Kierkegaard perceberam que a verdade é um jogo de espelhos, onde cada faceta revela um ângulo diferente do real. Suas obras são um desafio à linearidade—um convite para enxergarmos a existência como um diamante girando, refletindo novas luzes a cada movimento.

Fernando Pessoa: O Poeta dos Mil Reflexos

Fernando Pessoa não escreveu – ele se multiplicou. Seu grande feito foi ter criado um universo interno povoado por almas autônomas, cada uma com uma voz própria, uma história, um jeito de ver o mundo.

Em 8 de março de 1914, viveu o que chamou de “dia triunfal”. Sentou-se para escrever e, de forma quase mediúnica, nasceu Alberto Caeiro, um poeta que negava qualquer transcendência e só aceitava o que podia ser visto e sentido.

Depois vieram as outras facetas do diamante:

Alberto Caeiro: O mestre, a face da simplicidade e da natureza. Via o mundo sem ilusões metafísicas—apenas o aqui e o agora.

Ricardo Reis: O clássico, o estoico. Via a vida como ordem e destino, aceitando o inevitável com serenidade.

Álvaro de Campos: O modernista frenético, obcecado pela tecnologia e pelo progresso. Enquanto Caeiro era calma, Campos era tempestade.

Bernardo Soares: O semi-heterônimo melancólico, o lado mais introspectivo de Pessoa, autor do Livro do Desassossego.

Cada um deles era uma faceta única e bela do diamante Pessoa. Eles não eram meros personagens—eram fragmentos vivos de sua alma, cada um refletindo uma verdade diferente.

O que Pessoa nos ensina? A identidade é fluida. Somos muitas faces do mesmo ser, cada uma válida à sua maneira.

Søren Kierkegaard: O Filósofo das Contradições Brilhantes

Se Pessoa se expandiu como um prisma, Kierkegaard criou um duelo interno de verdades, onde cada pseudônimo questionava e desafiava o outro.

Seu objetivo? Fazer com que o leitor enxergasse o brilho do diamante por si mesmo, sem ser conduzido por verdades absolutas.

Seus pseudônimos mais marcantes foram:

Johannes de Silentio (Temor e Tremor) – A face da fé inabalável, que argumentava que o verdadeiro crente deve dar um salto no escuro.

Johannes Climacus (Post-Scriptum às Migalhas Filosóficas) – O cético, que defendia que a verdade não pode ser ensinada diretamente, mas deve ser descoberta por cada um.

Victor Eremita (Ou Isto ou Aquilo) – A face do prazer e da moralidade, analisando o conflito entre uma vida hedonista e uma vida ética.

Anti-Climacus (A Doença Mortal) – O profundo analista da angústia e do desespero, mostrando que a maior doença da alma é não reconhecer a própria necessidade de transformação.

Cada pseudônimo era uma face do diamante kierkegaardiano, refletindo diferentes estágios da existência humana:

1. O estágio estético – O brilho da face da busca pelo prazer e pela fuga do sofrimento.

2. O estágio ético – O reflexo da responsabilidade e da consciência moral.

3. O estágio religioso – A luz que só se revela quando se dá o salto da fé.

Kierkegaard não dava respostas prontas. Ele lapidava o pensamento para que o leitor encontrasse sua própria verdade.

2. A Arte de Lapidar a Identidade: Como Criaram Seus Heterônimos?

Seus processos de criação foram únicos, mas igualmente revolucionários.

Pessoa e o Diamante que Brilhou Espontaneamente

Pessoa descreveu a origem de seus heterônimos como um fenômeno quase mediúnico. Eles simplesmente nasceram dele, com estilos, assinaturas e personalidades próprias. Ele chegou a dizer que não os inventou, mas os descobriu dentro de si.

Kierkegaard e a Lapidação Estratégica

Kierkegaard, por outro lado, planejou cuidadosamente cada pseudônimo, criando um método filosófico dialético, onde cada nome representava um estágio diferente do pensamento.

Se Pessoa deixou o diamante girar livremente, Kierkegaard lapidou cada faceta com precisão, criando um jogo de contrastes que forçava o leitor a buscar sua própria luz.

3. O Impacto: O Diamante Continua Brilhando

Esses dois titãs moldaram a forma como pensamos a identidade, a verdade e a existência.

Kierkegaard foi o pai do existencialismo, influenciando Sartre, Heidegger e Camus.

Pessoa revolucionou a literatura, antecipando a crise da identidade pós-moderna, influenciando Borges, Saramago e muitos outros.

Ambos mostraram que a identidade humana é um diamante multifacetado, onde cada ângulo revela uma perspectiva nova e surpreendente.

Conclusão: O Eu Como Diamante

Fernando Pessoa e Søren Kierkegaard foram mais do que gênios. Foram mestres da multiplicidade e da lapidação do pensamento.

Pessoa nos ensinou que o eu não é um, mas uma constelação de reflexos, todos igualmente válidos.

Kierkegaard nos desafiou a escolher que faceta queremos viver, pois a existência é uma decisão constante.

E, no fim, talvez o maior ensinamento deles seja este: não há uma única resposta. Cada um de nós é um diamante girando, e o brilho depende do ângulo em que olhamos.

A questão é: qual face do seu diamante você está disposto a revelar ao mundo hoje?

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